Cegueira moral e o veneno nas garrafas de São Paulo
A investigação sobre bebidas adulteradas revela o retrato de um país onde a ganância supera a consciência e o lucro vale mais que a vida
Por Yasmim Borges
A operação da Polícia Civil que desmantelou uma fábrica clandestina em São Bernardo do Campo não é apenas mais um caso policial. É o retrato de um país que se acostumou a normalizar o absurdo, onde vender álcool de posto em garrafas de gin virou negócio, e não crime hediondo. O delegado Artur Dian foi claro ao afirmar que o primeiro ciclo das investigações fechou toda a cadeia, da coleta de garrafas usadas à mistura letal de etanol e metanol. Mas o problema vai além do laboratório improvisado de Vanessa Maria da Silva e do marido. Ele começa no garrafeiro que fornece o vidro, no posto que vende o combustível adulterado e termina na mesa do consumidor enganado.
O discurso de que “não sabiam” que o produto continha metanol é uma afronta à inteligência e à moral. A pessoa que manipula substâncias químicas e engarrafa bebidas falsificadas sabe que está brincando com a saúde e a vida de outros. Não é ignorância, é descaso. E quando vidas são perdidas, quando alguém perde a visão por causa dessa irresponsabilidade, a desculpa não basta. É preciso punição exemplar.
Mais de 100 mil garrafas já foram destruídas. Um gesto necessário, mas ainda simbólico. Enquanto o lucro fácil continuar valendo mais do que a segurança pública, novas fábricas surgirão e novas vítimas aparecerão. O Estado tem o dever de endurecer a fiscalização e, sobretudo, regulamentar de forma rigorosa a reutilização de garrafas, um mercado que alimenta o submundo das bebidas adulteradas.
A sociedade também precisa abrir os olhos. A ganância de poucos está custando a vida de muitos. E essa cegueira moral é tão perigosa quanto o metanol que corrói a visão e a consciência de quem insiste em lucrar com o que mata.

