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COP30 em Belém vira palco de caos e contradições

Publicado em: 14/11/2025 20:50

Protestos, falhas estruturais e discursos distantes da realidade marcaram um evento que expôs a distância entre narrativa e prática

Por Yasmim Borges

A COP30 desembarcou em Belém cercada de propaganda, promessas e discursos grandiosos sobre futuro sustentável, liderança ambiental e protagonismo da Amazônia. Mas bastaram os primeiros dias para que o evento revelasse o que boa parte da população já sabia: não existe maquiagem capaz de esconder improviso, desorganização e um governo que fala muito mais do que faz.

Logo na entrada, manifestantes ocuparam as vias ao redor da COP, denunciando o contraste entre o discurso ambiental e a realidade da cidade. Havia indígenas, trabalhadores, estudantes e moradores locais protestando contra o abandono estrutural de Belém, a falta de saneamento, as obras inacabadas, as remoções de vegetação para adequar acessos ao evento e os gastos públicos concentrados em áreas que beneficiam poucos. A palavra que ecoava nas faixas era direta: contradição.

Os protestos não surgiram por acaso. Belém vive há décadas com saneamento precário e infraestrutura frágil, e justamente essa cidade foi escolhida para sediar o maior encontro climático do planeta. Não demorou para que a chuva revelasse o óbvio: alagamentos, poças que interditaram passagens, banheiros sem água, goteiras e salas fechadas por risco de inundação. A sala de imprensa chegou a ser evacuada depois que um vazamento no teto transformou o espaço em um cenário que nada lembrava um evento global de alto nível.

Fora do pavilhão, a cena era ainda mais simbólica. Enquanto navios de grande porte recebiam delegações internacionais por falta de hotéis suficientes, moradores observavam tudo da praia, convivendo com acessos precários, lixo espalhado, banheiros públicos quebrados e nenhuma melhoria que realmente permanecesse para a população local. A diferença entre o Brasil exibido aos visitantes e o Brasil real saltava aos olhos.

O custo de viver essa COP também chamou atenção. Visitantes reclamaram de preços abusivos: água chegando a R$ 20 ou R$ 25, lanches simples ultrapassando R$ 40 e refeições que poderiam facilmente estourar cem reais. Houve quem ficasse sem comida porque os estoques acabaram. Teve visitante almoçando sorvete porque era simplesmente o que restava disponível. Se a COP queria ser inclusiva, falhou logo no básico: garantir comida e estrutura digna para quem estava dentro do evento.

Enquanto isso, no palco principal, o presidente Lula discursou pedindo o fim dos combustíveis fósseis, se colocando como liderança global e atacando “negacionistas”. O problema é que, fora do microfone, o próprio evento dependeu de geradores a diesel para funcionar, e o governo segue pressionando órgãos ambientais para ampliar exploração de petróleo. Difícil exigir coerência global quando a incoerência doméstica é tão evidente.

Janja também marcou presença, como sempre. Participou de atos simbólicos, eventos paralelos e aparições cuidadosamente planejadas. Mas para muitos dos manifestantes que estavam do lado de fora enfrentando calor, fila, lama e preços abusivos, a postura soou mais como tentativa de autopromoção do que como real preocupação com os problemas da cidade ou da Amazônia. Em meio a tanta encenação política, o que faltou foi justamente o essencial: conexão com a realidade.

No fim, a COP30 se transformou em um retrato incômodo do Brasil atual. Um país que fala em sustentabilidade enquanto enfrenta apagões, alagamentos e problemas estruturais básicos. Um governo que promete liderança climática enquanto patina em contradições internas. Uma festa para estrangeiros que deixou moradores com a sensação de que Belém foi usada como vitrine, não como prioridade.

A COP da verdade acabou revelando verdades que o governo preferia esconder. E nenhuma delas é confortável.

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